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Liberdade implica igualdade

  • Foto do escritor: Vitor Lima
    Vitor Lima
  • 23 de jul.
  • 3 min de leitura

Liberdade é transcender a própria condição atual. É ir além do meramente dado. Exemplos de exercício da liberdade são escrever um livro, elaborar um discurso, apresentar uma peça de teatro, ter um filho, fundar uma empresa, pintar o cabelo, abandonar o emprego etc. De certa perspectiva, a liberdade é a própria constituição do ser humano, uma vez que o homem é, por excelência, o ser insatisfeito com o que atualmente se lhe apresenta.


Ademais, os exercícios de liberdade que eu faço possibilitam que outras pessoas transcendam as suas respectivas condições. Em outras palavras, minha liberdade possibilita a liberdade alheia. O livro que escrevo pode auxiliar alguém a ir além de sua própria condição. O mesmo acontece com o discurso que elaboro, com a aula que ministro, com o texto que escrevo. Talvez este mesmo texto que você agora lê - fruto da minha liberdade - ajude-o a ser livre.


Gostou da ideia? Não é minha. É de Simone de Beauvoir, em seu livro Por uma moral da ambiguidade (1947).


Esse é um sentido em que liberdade gera liberdade. Outro sentido é que, para que eu exerça a minha, preciso de outras. 


O exemplo dado por de Beauvoir é a causa da libertação feminina. A liberdade de cada mulher individual depende da coordenação de todas as outras. De nada adianta uma mulher se dar conta da sua opressão se não consegue se aliar com as demais para ir contra o sistema de opressão. Uma mulher isolada pode se revoltar e mudar pontualmente uma situação, mas a conjuntura continuará intocada. Suas filhas, sobrinhas e netas continuaram a passar por tudo aquilo de que ela conseguiu escapar.


Mas uma questão surge: e seu eu quiser ser livre somente entre as pessoas do meu grupo? E se eu não tiver consciência moral para além da minha tribo? 


Imaginemos, então, que você queira se aliar com tiranos. Você tiraniza toda uma população, mas mantém a liberdade: a sua e a dos seus.


A resposta de Simone de Beauvoir vem da seguinte maneira. Liberdade é transcendência da própria condição. E exercer a liberdade está vinculado a uma condição: a igualdade. Isso em duas acepções iniciais.


Por um lado, se você se concebe como superior a outra pessoa (digamos, um tirano a um povo tiranizado), não estará aberto a novas possibilidades que os pensamentos e comportamentos dela abrirem – tenderão, em vez disso, a ser descartados como medíocres.


Nesse caso, você permanecerá na sua condição atual - não exercendo sua liberdade, portanto.


Por outro lado, se você se concebe como inferior a alguém (digamos, você faz parte do povo tiranizado), então você não considerará que os pensamentos e comportamentos dessa pessoa não têm a ver com você – tenderão a ser tratados como elevados e incompreensíveis.


Novamente, você tenderá a permanecer na sua condição atual - não exercendo sua liberdade, consequentemente.


Por isso, a liberdade não se realiza em uma relação assimétrica do tipo minoria tirânica/povo tiranizado. Isso acontece porque nem quem se concebe superior, nem quem se concebe inferior conseguem transcender suas respectivas condições, enquanto se conceberem nestes papéis.


Porém, ainda assim, a questão parece voltar: eu não posso ser livre num âmbito muito específico - o âmbito do meu grupo de opressores?


Ao haver oprimidos, tornamo-nos nós mesmos tiranos, quando não por ação, ao menos por omissão.


Geralmente achamos que os eventos só são responsabilidade nossa caso tenhamos agido ativamente para ocasioná-los. Porém, omitir-nos é também uma forma de deixar acontecer algo que, caso agíssemos diferente, poderia parar.


Podemos assistir alguém humilhando outra pessoa na rua. Afinal de contas, poderíamos pensar: "não tenho nada a ver com isso". Porém, também deveria passar pela nossa cabeça o seguinte: "não tenho nada a ver com isso só até o momento em que passo a saber que isso existe e que posso também fazer alguma coisa para impedir". Se essas condições são satisfeitas, escolher nada fazer passa a ser, no mínimo, cinismo e, no limite, canalhice. Em alguns contextos de patente injustiça sendo cometida na nossa frente, "lavar as mãos" diante da situação só sinaliza nossa falta de caráter, não nossa suposta isenção. 


Tirar a liberdade de alguém não resulta só de agir para que essa pessoa seja menos livre, resulta também de se omitir diante da sua falta de liberdade. E se só eu tenho liberdade e não o outro, ele não me permite ir além da minha condição. E se eu não vou além da minha condição, eu não tenho liberdade.


Liberdade não acontece individualmente - requer igualdade entre pessoas livres. Liberdade implica igualdade.


Vitor Lima

Seu Professor de Filosofia de hoje e de sempre


P.S. Ajude alguém a ser livre – envie o link deste blog para um amigo. 


Foto de Pixabay: https://www.pexels.com/pt-br/foto/secao-inferior-do-homem-contra-o-ceu-247851/

 
 
 

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