Agir sem pensar: sobre impulso, razão e autoconhecimento
- Augusto Lima

- 24 de jul.
- 4 min de leitura
Muitas vezes, agimos instintivamente, por impulso, espontaneamente, seguindo os costumes, sem examinar ou consultar a razão e só depois, com as consequências, é que refletimos e avaliamos. A fala, por exemplo, é uma dessas ações; é uma habilidade que tem raízes evolutivas e que está intimamente ligada às tradições culturais e à nossa natureza humana¹. Ou seja, agimos a partir de aprendizados na comunidade e de impulsos de sobrevivência oriundos de uma evolução genética. E essa espontaneidade de agir e falar sem filtros não é um aspecto de todo ruim da vida, visto que necessitamos de uma vida leve, descontraida e fluida, que nos permita expressar, sem tensão, determinada verdade em que acreditamos. Afinal, como nos primórdios, não estamos mais fugindo de uma fera que nos quer almoçar ou jantar.
Mas agir sem pensar tem suas vantagens e seus problemas.
Na esteira das vantagens, podemos citar a (1) espontaneidade -- como já dissemos, agir sem pensar pode trazer autenticidade e genuinidade às nossas ações, viver com a mente sob tensão constante, não faz bem ao sistema nervoso; (2) criatividade -- a ação que se propõe ir além do óbvio pode gerar ideias e soluções inesperadas; (3) conexão emocional -- expressar sentimentos sem filtro e com autenticidade pode fortalecer laços e criar intimidade.
Já nos problemas, identificamos os (1) mal-entendidos, sobretudo ao utilizarmos expressões categóricas², palavras em tom de voz exasperado ou expressões irônicas, que podem ser mal interpretadas ou magoar outras pessoas; (2) arrependimento e remorso pelo que fazemos sem pensar; (3) comodismo ou seguir os demais -- pessoas agem sem propósito próprio, fazem por fazer ou porque os outros fazem, e são apenas mais um no mundo; (4) problemas em relacionamentos, no trabalho, em casa ou em outras áreas da vida -- falar sem o crivo da razão, por exemplo, pode levar a comunicação violenta³, seja de forma verbal ou não verbal.
Para evitar problemas ou assumir estratégias para melhorar nosso agir, de forma geral, aqui estão algumas técnicas:
1. Pause antes de agir: quando sentir que está prestes a dizer algo ou fazer qualquer gesto sem pensar, pause por um momento e reflita. Seria uma espécie de suspensão de juízo a que se referiam os estoicos⁴.
2. Respire fundo: respirar fundo pode ajudar a acalmar e pensar mais claramente antes de agir.
3. Pratique a empatia: tentar se colocar no lugar do outro e pensar como suas ações podem ser recebidas.
4. Comunique-se de forma assertiva: expresse seus pensamentos e sentimentos de forma clara e respeitosa, sem ironias.
5. Desenvolva o "conhece-te a ti mesmo"⁵. Reconheça seus gatilhos emocionais e tente gerenciá-los melhor. Quando nos conhecemos melhor, entendemos que temos limitações e, assim, tomamos decisões mais alinhadas com quem somos e o que queremos na vida. Quando sabemos, por exemplo, que temos certa tendência para o uso de palavras grosseiras, mesmo em forma de piadas, então a abordagem certamente precisa ser vigiada e melhor gerenciada.
6. Se for se utilizar de gestos dúbios, analogias ou metáforas, seja o mais claro possível, de modo a não deixar interpretação errada para o interlocutor.
O ideal é a adoção simultânea da prática de pensar e agir e vice-versa. Para isso, voltemos ao "conhece-te a ti mesmo" que nos alerta de que somos limitados e, portanto, não sabemos tudo, não agradamos a todos. Reconhecer nossas limitações e a vastidão do desconhecido é um forte traço de humildade, que pode ser libertador e uma fonte de crescimento; nos permite abordar problemas sem açodamento, questionar as próprias certezas e aprender com os outros. Ao reconhecemos nossas limitações, podemos nos tornar mais abertos ao diálogo, mais propensos a ouvir e aprender com os outros. Isso pode levar a decisões mais fundadas e a uma comunicação mais eficaz, possibilitando a construção de relacionamentos mais fortes e significativos. Além disso, essa consciência pode nos ajudar a evitar o dogmatismo e a intolerância, permitindo que consideremos diferentes perspectivas e pontos de vista. Isso também pode nos ajudar a lidar melhor com conflitos e desacordos, pois nos tornamos mais propensos a ouvir e entender outros pontos de vista.
No trabalho, por exemplo, reconhecer nossas limitações e estar abertos a aprender com os outros pode ser especialmente valioso; pode ajudar a promover um ambiente de colaboração e inovação. Ao trabalhar em equipe, ouvindo e observando os colegas, podemos aprender com suas habilidades e experiências, o que pode levar a soluções mais criativas e eficazes. Além disso, essa abordagem pode ajudar a reduzir erros, melhorar a tomada de decisões e aumentar a produtividade e a qualidade do trabalho. Lembro de muitas reuniões de trabalho em que eu me preparava e anotava tudo o que entendia sobre o tema, convencido de que tinha dominado bem o assunto, quando, para minha surpresa, sempre aparecia alguém com uma colaboração inovadora e mais interessante que a minha.
Há os que, por comodismo ou por falta de consciência, frequentemente agem sem pensar, seguem o rebanho, imitam, e também pra esses tem lugar no mundo. A diferença é feita pelos conscientes; por aqueles de mente atenta que acompanham suas ações, mitigam desacertos e constrangimentos, e só assim deixam um legado de valor.
Somos seres pensantes, característica e habilidade que nos distingue dos demais seres vivos e que nos deu imensa vantagem no processo de evolução das espécies. A capacidade de usar a razão faz com que imaginemos e criemos novas ideias, entendamos conceitos, lidemos melhor com as paixões e encontremos soluções para problemas complexos. O pensar nos torna seres privilegiados; nos torna o que somos. Se agimos bem ou mal, certo ou errado, se formos criativos ou destrutivos, se nossos sentimentos são ruins ou prazerosos, somos o resultado do que está em nossa mente; somos a herança do nosso intelecto, não das nossas emoções⁶, porque fadados a pensar.
¹ Nossas primeiras formas de comunicação eram provavelmente expressões corporais e sons desorganizados.
² Aquelas incontestáveis, definitivas, sem discussões ou dúvidas.
³ Sobre esse tema, consultar a obra Comunicação Não Violenta, de Marshall Rosenberg.
⁴ Estoicos: aqui se referindo aos que simpatizam e seguem a filosofia do estoicismo da Grécia antiga.
⁵ Conhecer a si mesmo diz respeito a examinar e entender seus valores, emoções, pontos fortes e fracos. Essa expressão consta originalmente no templo de Apolo, Oráculo de Delfos, na Grécia antiga.
⁶ Apesar da controvérsia do assunto, assumo aqui que não são as emoções que comandam a mente, mas esta que determina o que sentimos. Afinal, o cérebro é o centro de controle de todo sistema nervoso; é nele que se formam todas as condições para o sentimento.




Comentários